Sempre gostei muito de futebol. Apesar de ser menina e não ser uma atividade muito afeita às mulheres, ainda sou de um tempo em que a meninada brincava nas ruas e calçadas e os brinquedos eram poucos. A bola, então, era um dos principais divertimentos e, muitas vezes ficávamos tempo a observar as “peladas” da gurizada em meio a maior algazarra e, não raro, éramos chamadas para atuar na trave, como goleiras — às vezes faltava um menino e nós, meninas, só prestávamos para ficar no gol, nada mais.
Não havia ainda televisão e o rádio dominava soberano as tardes de domingo e o carioca já era, como até agora, inteiramente fanatizado pelos seus times, e, ao se passar pelas ruas, só se ouvia a narração vibrante dos locutores, em vários campos de futebol, irradiando os vários jogos da tarde.
Era o futebol para mim, portanto, algo que fazia parte da minha vivência e cultura, mesmo não tendo na família ninguém que jogasse ou fizesse parte de algum time.
Minha vinda para o sul me fez a vida mais pacata e tranqüila, meus interesses se voltaram para a minha família e meu trabalho, mas, com o advento da televisão, gostava de assistir às partidas mais acirradas dos campeonatos. E sempre vibrava muito, o que surpreendia meus filhos, mas me sentia feliz.
Foi assim que, com o passar dos anos, e por infaustos acontecimentos, me encontrava em Los Angeles em junho de 1982. Eu lá estava desde março, atendendo minha mãe doente e, como ela tivesse uma leve recuperação, resolvera voltar para casa.
Eu nada entendia de inglês e acompanhava muito mal os noticiários, sujeitando-me às notícias que minha irmã ou meus sobrinhos me passavam. Eu sabia que estava acontecendo a COPA na Espanha e meus sobrinhos, para me agradar, tentavam me passar as noticias sobre o evento, mas eu não me sentia satisfeita. Como era possível ali ninguém se interessar por futebol e não se ver a transmissão de nenhum jogo? Eu estava realmente num outro mundo... E louca por voltar!!!!!!
Minha irmã e meus sobrinhos me levaram muito cedo ao aeroporto, era o dia 17 de junho e Paulo César me disse que soubera que o Brasil ia jogar com a Rússia naquele dia, mas não sabia bem a hora. Fizemos cálculos e presumimos que a partida estaria acontecendo enquanto estivéssemos no aeroporto e, ao lá chegar, mesmo admirando o fantástico mundo que se apresentava ao meu redor, de gente de todos os lugares do mundo, chegando, circulando e saindo, nos trajes mais extravagantes, uma multidão apressada e se expressando nas mais diferentes línguas e gestos, o que já por si só seria um espetáculo inusitado, mesmo nesse torvelinho, eu olhava para cima, tentando ver uma televisão que dissesse alguma coisa ou mostrasse o que estava acontecendo.
Meus sobrinhos riam da minha aflição. COMO ERA POSSÍVEL ALI NINGUÉM SE INTERESSAR POR FUTEBOL E NÃO SE VER A TRANSMISSÁO DE NENHUM JOGO???
Depois de todos os procedimentos rotineiros executados e alguma espera, que até passou depressa graças à presença de minha irmã e sobrinhos, despedimo-nos e embarquei num enorme avião da VARIG que já vinha de TÓQUIO a acabara de lotar ali.
Sentia-me assustada e sozinha, mas acomodei-me onde indicaram, no meio do avião, na fileira de cinco poltronas, ao lado de outras pessoas silenciosas.
O avião decolou e em seguida várias comissárias de bordo circularam com presteza, servindo bebidas e uma pequena refeição aos passageiros, com a desenvoltura e graça que sempre deram o tom das viagens pela VARIG.
Um pouco mais tarde, terminado o serviço e todos acomodados, diminuíram as luzes e uma penumbra confortável convidava os passageiros a um cochilo. Eu também me propus a relaxar e fechei os olhos, deixando-me envolver pelo barulho monótono dos motores. Não sei quantos minutos se passaram, mas não foram muitos.
De repente o alto-falante de bordo deu um sinal sonoro e repetido que me chamou a atenção e, meio com preguiça, escutei: ai graças! era em português!
“Aqui fala o comandante Barbosa. Terminou o jogo Brasil e Rússia. O Brasil venceu por...”
O que aconteceu então foi algo completamente inusitado. Eu nem me lembro de ter ouvido o placar e até hoje não sei por quanto o Brasil venceu, só sei que, num impulso irrefreável e como movida por uma mola pulei da minha poltrona, de braços erguidos e gritando: IAUUUUU!!! IAUUUUU!!!!!
Foi terrível... imediatamente me dei conta do que fizera e me joguei na poltrona, morta de vergonha, querendo desaparecer.
Eu quebrara o silêncio reinante na aeronave e percebi um começo de pânico no ambiente, vozes alteradas e assustadas, certamente querendo saber o que estava acontecendo. Eu estava aterrada com o que fizera.
Nisso, o passageiro ao meu lado, certamente um nissei — o avião estava cheio de orientais — levantou-se em meu socorro e, de pé, acalmou os viajantes, falando em inglês que não se preocupassem, que nada havia acontecido de assustador, que estava tudo bem e que a “lady”, ao lado dele, era brasileira e estava apenas comemorando a vitória do Brasil contra a Rússia no jogo que acabara de terminar.
Foi uma risada geral e em seguida todos começaram a bater palmas, o que me obrigou a me levantar e agradecer. Imaginem eu, chorando, de mãos postas, agradecendo para todos os lados do avião e murmurando um deslavado “Excuse me, please!”
As palmas e risadas continuaram por mais alguns segundos, até as aeromoças riam e, em seguida sentei-me, agradeci ao meu gentil vizinho que me salvara e evitara uma situação sabe Deus de que tamanha conseqüência, e tentei me acomodar de novo.
Não pude, entretanto, deixar de me rir às escondidas depois que tudo se aquietou e a penumbra voltou a reinar. Ora essa! O que eu aprontara!
O meu atencioso vizinho me apresentara como uma “lady” e eu ri... Com certeza, com certeza mesmo não seria assim que uma “lady” se comportaria...
Mas decerto sim, seria assim que uma brasileira “vibradora” se comportaria... Que me perdoem os meus companheiros de viagem, daquele longínquo ano de 1982...
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