domingo, maio 07, 2006

Sapos e Rosas


A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil
Vivia alegre num solar, num solar, num solar
Vivia alegre num solar, num solar (trecho de cantiga de roda)

A linda rosa nem era tão linda assim, e nem vivia tão alegre também, mas era juvenil, saudável e era tão feliz quanto possível, em meio a uma vida bastante trabalhosa e pobre onde as regalias e facilidades próprias aos jovens lhe eram muito custosas e fora do alcance.Isso não lhe tirava, entretanto, compensar tudo com uma imaginação muito fértil, que a fazia navegar por terras e mundos maravilhosos, onde tudo lhe era permitido, e, assim, conseguia suprir e alcançar coisas que, sabia, lhe estavam proibidas.
A vida assim lhe transcorria sonhando sempre e lutando para, um dia, alcançar suas metas e viver seus sonhos.
Seria presunção?Ela acreditava que tinha forças para mudar muitas coisas na vida, especialmente dar melhor assistência ao velho pai doente e tirar a mãe do grande sacrifício em que viviam para sobreviver.
Queria atropelar os anos, que passassem depressa para conseguir realizar logo o que almejava!
E sonhava…sonhava…sonhava…
E estudava...estudava...estudava



Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei
Um dia veio um belo rei, belo rei
E despertou a rosa assim, bem assim, bem assim
E despertou a rosa assim, bem assim…(trecho de cantiga de roda)

O rei não era tão belo assim, mas despertou a rosa para sonhos que ela achava que ainda estavam muito longínquos, muito lá adiante, e ela, entre surpresa e encantada se deixou envolver e se encantou a tal ponto que os outros sonhos foram se esmaecendo, ficando bem longe lá no horizonte e ela quase os esqueceu, abandonando os.
Só tinha olhos para o “belo rei” e depositou nele todos os sonhos, todos os ideais, tudo que almejava encontrar num homem, num homem que construiu baseada no seu mundo de fantasia, nas suas historias de príncipes encantados: o SEU homem.
Ela sabia que não o encontraria com facilidade, mas isso não importava...ela o encontraria um dia...mais tarde, bem mais tarde...e o reconheceria logo, tinha certeza...
De repente tudo se precipitou, a ordem se inverteu e ela se viu, de repente, subjugada por uma nova força, tão poderosa que a assustava, tão envolvente que a atordoava...
Os sonhos, nos quais ela trabalhava para se realizarem, os que acreditava mais imediatos e próximos, se diluíram ante a força do amor que a envolveu , quando acreditava isso não ser possível de acontecer, pelo menos tão cedo.
E mergulhou nesse novo projeto, sem medir conseqüências…
Esqueceu tudo o mais...


Mas…
Oh! Céus, oh! Céus!!!
O amado nubente
Oh,céus!, oh,céus!!
Mostrou se
Oh,céus! Oh,céus!!
O feroz oponente…



E a rosa juvenil caiu numa realidade estranha e cruel, e viu ai quanto seu mundo de fantasia era frágil e inconsistente.E não gostou nada do que sentiu…

Mas uma feiticeira má, muito má, muito má
Mas uma feiticeira má, muito má, (trecho de cantiga de roda)
Bem feito! Bem feito!
Há! Há!Ha! Há! (risadas de bruxa)
Quem manda viver alienada
No mundo da lua enfiada?

Arrebentou com o sonho assim, bem assim, bem assim…
E acabou com tudo assim, bem assim…
Mas não podia voltar atrás…não podia voltar atrás,,,era muito tarde…havia agora compromissos maiores…muito maiores…e tinha de continuar.E ela renunciou, pobre rosa juvenil, tão juvenil…
Tinha três botões de rosa para cuidar, e eram agora tudo que mais amava…
O belo rei se transformou num sapo feio que vivia aprontando “sapadas” e a rosa juvenil, estarrecida, assustada, revoltada, continuava na nova missão …
Quieta
Discreta
Correta
E tudo continuou assim.O tempo passou e entre algumas alegrias e muitas decepções os anos passaram.Os filhos cresceram, os netos vieram e a vida ate que lhe fora generosa, eram tão belos e saudáveis! Do que tinha que se queixar?
E a rosa, não mais juvenil
Cantava
Sonhava
Chorava…
Bordava…
Os anos passavam, do que ela tinha que se queixar?Havia coisas muito piores pelo mundo afora, muito piores…
Muito piores...muito piores...
O sapo estava cada vez mais feio, mas tudo estava tão bem…tão bem…
Estava tudo muito bem...muito bem...muito bem...
Estava tudo muito bem...muito bem!
E a rosa, já nada juvenil,
Rosa idosa

Sofria
Murchava
Morria............



Pelo mundo afora, quantos milhões de "rosas idosas", como esta, se identificarão, se sentirão retratadas nesta história?


Curitiba, 28 de abril de 2006

sábado, maio 06, 2006

Folhas do Outono


Je vais vous dire ce que me rapelle, tous les ans
Le ciel agité de l’automne
Et les feuilles que jaunissent
Dans les arbres que frissonent

É outono... Céu cinzento... Folhas ao vento, rolando, rolando, rolando...

Vou voltar no tempo, voltar muito. Também estou no outono e as lembranças rolam, rolam como as folhas de outono, e o tempo, como o vento frio assobiando nas arvores, faz um rodamoinho de folhas, faz também minhas lembranças rodopiarem, subirem, descerem, rolarem e se amontoarem cansadas, esperando talvez outra rajada de vento para continuarem a valsa louca, cada vez mais longe de suas origens, para longe, para onde?

Vou escrever páginas que serão folhas ao vento, não sei aonde irão nem por que irão, mas o vento do outono me sacode e elas caem... E irão contar coisas nunca ouvidas nem lidas, estórias amarelecidas pelo tempo, que tocadas pelo vento chegarão... onde?

Isso não deve me importar... as folhas também não se importam para onde vão. Deixam-se levar pelo prazer de voar. Vou fazer o mesmo... vou me deixar levar pelo vento das lembranças e mergulhar na volúpia de voltar ao passado e ser jovem novamente, envolver-me no rodamoinho e voar, voar, livre de todas as amarras atenta apenas para a vontade de passar para as folhas de papel essas estórias que me vêm em catadupas como cachoeira onde a água desliza e ora passa suave e silenciosa, ora bate nas pedras raivosa e gritante como se estivesse se dilacerando e pedindo socorro...